18 novembro 2009

Mary Quant, a mulher que inventou o joelho


Uma feliz estudante brasileira, bem ou mal intencionada, doce, corajosa, retrato de uma geração deslumbrada com o exibicionismo, vai para Universidade com uma minissaia e recebe uma colossal manifestação de volúpia. Espanto, descontrole, medo, baixaria, polícia, jornais, capa de revista, “garota-mídia-2009”, debate sobre direitos da mulher, reitoria medieval, decisão desproposital, minissaia expulsa, ex-expulsa, mundo louco, repetitivo.

Para uma (ainda) elegante senhora de 75 anos, moradora de Surrey (sul da Inglaterra, perto de Londres), concentrada em escrever dois livros sobre sua vida, abrir os jornais da semana passada e ver o frisson brasileiro por conta de uma minissaia deve ter sido hilário. Jornal na mão, bebericando uma xícara de english tea, a dama deve ter sentido uma faísca de orgulho, e talvez até alguma emoção maior. A estilistaMary Quant que na década de 60 inventou a minissaia, deve ter se jubilado quando 45 anos depois de sua invenção esta ainda provoca pequenas catarses mundos afora.

A inglesa Mary Quant, filha de um professor galês, ex-estudante de arte obcecada pela cor (estudou Belas-Artes no Goldsmith’s College), não foi só a responsável por subir alguns centímetros da saia. Mais do que isso, Quant “inventou” o joelho. Esse membro, localizado entre o fêmur e a tíbia, estava segredado, escondido, contido, esperando o seu momento de aparecer, de se despir e enlouquecer a tribo masculina.

Não há novidade no fato. No final dos anos 50, Mary Quant passou a desenhar sua própria roupa e, anos depois, em julho de 1964, lançou sua mini skirt.

A minissaia vinha ao mundo numa década cheia de conquistas femininas, cheia de lutas contra o preconceito e contra a tirania machista. Quando a moda da saia curta invadiu o planeta, invadiu também a mente libertária das mulheres, que mais do que exibicionismo queriam igualdade, respeito e reconhecimento.

Ao lado do marido (Alexander Plunkett Greene, falecido em 1990), Quant abriu a loja Bazaar, na famosa King’s Road, em Londres, e seu saiote de 30 cm de comprimento, usado com botas altas, foi a consagração.

O mundo da moda reverenciou o Swinging London (efervescência cultural modernista de Londres) e ficou entorpecido com a redescoberta de uma feminilidade que no pós-guerra estava adormecida.

Quant expandiu sua rede de lojas (150 na Inglaterra, 320 nos EUA e milhares ao redor do mundo) e sua miniroupa tornou-se símbolo da vanguarda dos anos 60 e 70. O joelho feminino foi para os bares, festas, invadiu as ruas, as praças, abriu espaço no cinema e na mente da sociedade contemporânea.

Em 66, aos 32 anos, a estilista recebeu a Ordem do Império Britânico da rainha Elizabeth II (que devia morrer de inveja de não poder usar aquela invenção fashion).

Quant, óbvio, usava na recepção uma vistosa minissaia. Sua carreira decola, e sua produção avança criando casacos e botas em PVC, acessórios, cosméticos, tudo descompromissado e jovem. Também lançou tops de crochê, roupas de malha canelada (aderentes ao corpo) e cintos largos jogados sobre os quadris.

Quant revolucionou aroupa feminina rompendo a secular barreira entre o vestuário formal e o informal. Vale registrar que em Paris, por volta de 1965, André Courrèges também estava reduzindo o comprimento dos vestidos, mas nunca se levou a sério a idéia de que alguém copiava alguém. O tempo foi soberano, e Quant ficou como autora da minissaia.

Como manda a via crucis da moda, ao final dos anos 70 a estilista já estava quase esquecida. Pressionada, vendeu seu negócio, ocupando-se depois apenas da parte cosmética e da criação para outras empresas. Em 1994, aos 60 anos, Quant lançou uma coleção de acessórios e uma nova linha de cosméticos. “É para que ninguém me esqueça”, disse a estilista à época.

Continuou a ser uma mulher chique, nada conformista e adepta da vanguarda em sua produção. Em entrevista a France Presse, em 2004, afirmou que “o desejo pelo individualismo ficou hoje ainda mais forte, e as pessoas não querem mais regras para a moda, apenas querem idéias para seremr usadas de modo próprio”.

Em janeiro de 2009, Quant estava presente no lançamento do selo comemorativo British Design Classics, uma celebração aos ícones da criatividade britânica, sendo ela uma das eleitas a ter seu busto impresso nos selos. Pouco depois da cerimônia, em entrevista ao jornal Daily Telegraph, Quant matou a charada: “Eu cresci sem querer crescer. Crescer parecia terrível! Eu fiz o meu melhor para evitar envelhecer, no sentido sombrio da idade. Eu sempre tive medo de não aproveitar a vida. Acho que estar vivo é tão maravilhoso!. Não tinha medo da nada a não ser de não poder desfrutar a vida. Não pare nunca! Nunca dá para perder o interesse pela vida, você não concorda?”, perguntou ela ao jornalista.

Respondo eu: você tem razão, Mary, nunca dá para perder o interesse pela vida. A liberdade de viver como desejamos, vestir o que quisermos e ir onde queremos é inegociável.

cultura.updateordie.com

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