21 março 2010

Shaun Ellis - Na companhia dos lobos

O pesquisador britânico Shaun Ellis viveu 2 anos em uma matilha de lobos, sem qualquer contato com seres humanos.
Antes de se integrar aos animais, ele passou 7 anos com uma tribo norte-americana no estado de Idaho, estudando o comportamento dos lobos.
Quando chegou à matilha, disputou carne crua, dormiu ao relento, arrumou uma função no grupo e adotou filhotes dos animais rejeitados pela mãe.
Sua história foi contada em uma série de televisão e acaba de virar um livro: The Man Who Lives With Wolves (O Homem que Vive com os Lobos), ainda sem tradução para o português.
De volta à civilização, Shaun conta, em entrevista exclusiva, que foi difícil lidar novamente com emoções humanas: “Deveríamos aprender a criar nossos jovens com os lobos.”

1 – Você diz que os lobos não são como as lendas os descrevem: predadores selvagens e perigosos, mas que parecem mais com uma família. Pode falar um pouco sobre isso?
Os lobos e minha família norte-americana ainda acreditam firmemente em valores à moda antiga como equilíbrio, confiança, lealdade e, acima de tudo, na necessidade de união. A maioria destas qualidades está baseada na educação comunitária. Os lobos acreditam que criar os filhotes é responsabilidade de todos. Infelizmente, para o mal das nossas próprias crianças, no mundo moderno essa é uma ideia que optamos por ignorar.

2 – Muitos lobos são mortos por causa deste estigma? Eles correm risco de extinção?
Os lobos cinzentos existem em número suficiente para não justificar a classificação de extinção. Mas essa má reputação e o medo dos pecuaristas de que eles ataquem seus rebanhos os colocam em risco.
Teoricamente essa caça é controlada. O maior problema é que muitas vezes é o líder da matilha ou um par dominante que morre. E isso sela o destino dos membros mais jovens, ainda inexperientes.

3 – Falando em lendas, há uma que fala de um menino criado por lobos. Você acha que isso seria possível?
Quando jovens, os lobos aprendem não só o valor nutricional dos alimentos, mas também o emocional na vida. Em época de procriação, para proteger os próprios filhotes, a fêmea dominante instrui os caçadores da matilha a poupar qualquer lactante (filhotes em período de amamentação). Eu acredito, tendo testemunhado este comportamento em primeira mão com lobos selvagens, que um menino seria facilmente aceito e criado por eles. Baseio-me nas minhas próprias experiências de quem foi aceito como um deles. Acho que se o garoto tivesse idade e condições de se adaptar às mudanças de clima e ao aspecto comportamental da matilha, isso não seria apenas possível como muito provável.

4 – Você já foi ferido ou teve medo de ser morto pelos lobos?
Eu nunca duvidei do caráter ou da conduta da minha família de lobos. Minhas únicas dúvidas vieram da minha própria falta de recursos para compreender o mundo deles. O tempo que passei na matilha foi de tremendo aprendizado tanto sobre como se tornar parte da família quanto para minha própria pesquisa e observação. Os lobos me ensinaram tudo que eu precisava saber para fazer parte do mundo deles.

5 – Você viveu durante dois anos entre os lobos. Como seu organismo reagiu?
Muitas pessoas têm apenas uma vaga ideia do que eu fiz. Agora, morando em uma casa bela e quente, comendo boa comida. O fato de comer tripas, sem nenhuma higiene, ou ter que comer o conteúdo do estômago de um lobo adulto retornando da mata e regurgitando a comida para mim, faz o meu estômago revirar. Mas quando você está lá fora, no mundo selvagem, e essa é sua única refeição em semanas, as coisas parecem muito mais comestíveis. E eu nunca fui tão saudável como quando fui um deles.

6 – Durante esse tempo, você teve contato com outros seres humanos?
Havia sempre a evidência de humanos por perto: lixo, restos de fogueira, rastros de acampamento. Mas como os lobos, eu sempre mantive distância da humanidade.

7 – Como é a hierarquia entre os lobos? Até onde você chegou?
Em minha opinião, a terminologia usada para descrever a vida social dos lobos – como betas, alfas etc – não descreve a ligação estreita entre os membros da família. Acredito que seria melhor nos referirmos a função de cada um dentro da matilha. Há quem decide, quem executa e quem obedece. Em primeiro lugar eu tive que criar um trabalho baseado nas minhas capacidades e então mantê-lo dia após dia.

8 – O que achou mais difícil ao voltar à civilização?
Uma das coisas mais difíceis foi deixar um mundo em que as emoções humanas não existiam para voltar a outro em que elas regem toda a nossa existência.

9 – O que você acha que os homens deveriam aprender com os lobos?
A estrutura familiar e a lealdade com o próximo são inigualáveis. E eles respeitam inclusive os predadores e os que dependem dos restos deles, como as aves de rapina. A habilidade que eles têm para ensinar os mais jovens é algo que nos faria muito bem aprender e adotar.

10 – E qual foi a maior lição que você tirou disso tudo?
Durante o tempo que vivi com os lobos aprendi muita coisa sobre o mundo deles e o nosso. A maior lição acho que foi a responsabilidade de olhar por minha família e a respeitar as criaturas que dividem o planeta conosco. E também o quanto é necessário mantermos e cuidarmos do maravilhoso mundo do qual somos parte.

andrea.dip@folhauniversal.com.br

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