11 outubro 2010

A luta de uma família contra a anorexia

Quando a jornalista americana Harriet Brown descobriu que sua filha mais velha, Kitty, então com 14 anos, estava com anorexia, não sabia muito sobre a doença.
Demorou para descobrir e para aceitar o problema da filha. Mas, quando o fez, ela, o marido e a filha mais nova envolveram-se completamente com o tratamento da menina.
Eles decidiram adotar um método que prevê a presença da família em todas as refeições e lanches.
Não importasse o quanto Kitty resistisse à ideia de comer, eles deveriam incentivá-la, apoiá-la, estar presentes. Essa jornada que durou mais de um ano até a recuperação de Kitty transformou-se no livro Brave Girl Eating (algo como “Garota corajosa comendo”), que Harriet lançou recentemente nos Estados Unidos.
Nesta entrevista ao Mulher 7×7, a jornalista conta como descobriu a doença da filha e alguns dos momentos mais difíceis da busca pela cura de Kitty (para ler a íntegra da entrevista clique aqui ou em “leia mais” no final do post):

Como jornalista que fazia reportagens sobre questões relacionadas às mulheres, como foi descobrir que sua própria filha sofria de anorexia?
Eu escrevia sobre questões que envolvem mulheres e saúde mental. Retrospectivamente, sinto que perdi algo que deveria ter percebido. Sabia muito pouco sobre anorexia. Pensei que fosse preciso perder muito peso para ter anorexia e minha filha não havia perdido muito peso. Na verdade, ela não havia perdido nenhum peso. Mas ela não ganhou nenhum peso quando deveria ter ganhado. Ela provavelmente deveria ter crescido mais, deveria ter menstruado pela primeira vez, mas isso não aconteceu. Me senti culpada e cega. Mas não tinha nenhum conhecimento sobre transtornos alimentares até então.

A alimentação era um assunto em sua família antes da doença de sua filha?
Não exatamente. Minha filha mais velha comia muito bem desde que nasceu, comia de tudo, experimentava coisas diferentes. Nunca teve problemas, tinha um peso normal. A mais nova era mais seletiva, mas sempre comeu o suficiente para se desenvolver. A alimentação era mais um problema na minha família de origem do que na minha própria. Meus pais, meus avós, meus primos, meus tios são, em geral, bastante obcecados em manter a forma, estão sempre falando sobre suas dietas. Sou consciente disso e tentei muito nunca fazer algo parecido com as minhas filhas. Tenho certeza de que falhei. Mas a imagem corporal era uma questão para mim.

Algumas pessoas dizem que os transtornos alimentares também têm relação com pais muito preocupados com a própria aparência, que estão sempre de dieta e praticando esportes, ou demonstram muita preocupação com a aparência de seus filhos. Você se culpa pela doença de sua filha? O que você diria para os pais que estão se culpando neste momento pela mesma razão?
Eu diria que os pais não podem causar um transtorno alimentar, não há nenhuma evidência de que isso aconteça. Os pais podem, no máximo, “despertar” a doença, se o filho for suscetível a ela por causa de sua genética e de fatores neuro-psicológicos. Não é possível saber o que “desperta” alguém a começar a fazer uma dieta, por exemplo, mas a dieta é o principal comportamento que pode levar a um transtorno alimentar. Desde que minhas filhas eram pequenas nós falávamos abertamente sobre o fato de as pessoas eram de todas as formas e tamanhos, que eu tinha mais gordura do que elas e que isso era normal. Tentei ser muito franca e positiva com elas. Não me culpo pela doença de Kitty e nunca critiquei a aparência delas. O que posso dizer é que, quando minha filha ficou doente, percebi o quanto todos nós falávamos sobre aparência. Você nem percebe, mas encontra uma pessoa na rua e diz: “Nossa, você está ótima! Como você emagreceu!” Os pais não causam a doença dos filhos, mas é algo bom tentar tirar de foco a aparência. Não é tão importante. Há coisas muito mais importantes para falar: “Como você é esperta! Como você foi bem na escola! O que você gosta de fazer”

Como você percebeu o problema de sua filha? Você passou por um período de negação?
Todos passam por um período de negação. Por causa do choque e por causa da ignorância mesmo, por não saber o que era a anorexia e ter algumas concepções erradas sobre o problema. Aprendi da maneira mais difícil. Eu pensava que as crianças desenvolviam anorexia porque seus pais as negligenciavam. E sei que não negligenciei minhas filhas. Portanto, aquilo não podia ser verdade. E quando ela foi diagnosticada, neguei por um tempo porque é um problema muito grande. Demora um tempo para a pessoa digerir.

Você conta que sua filha não tinha problemas para comer, nunca esteve acima do peso nem era alvo de piadas na escola, como costumamos pensar quando imaginamos uma adolescente que é anoréxica. Essa imagem é correta?
A realidade é que a anorexia, a bulimia e outros transtornos alimentares afetam todos os tipos de adolescentes e todos os tipos de família.

Você disse que usou um tratamento baseado na família no caso de sua família. Como ele funciona?
Ele se fundamenta na ideia de que um adolescente não consegue se recuperar sozinho dessa doença, precisa de apoio, de amor. Precisa de alguém para se erguer contra a doença e falar mais alto do que a voz na cabeça do adolescente dizendo que ele não deve comer. Para os adolescentes, as pessoas mais óbvias para ocupar esse papel são os pais. Você pode ter um bom terapeuta, mas vai vê-lo apenas uma hora por semana e precisa comer cinco, seis vezes por dia. Ele dá o trabalho de ter certeza de que a pessoa comeu aos pais e a ideia é que o adolescente tem que se restabelecer fisicamente primeiro e, então, com frequência, quando se recupera fisicamente, muitos dos sintomas psicológicos vão embora. Se não forem, é preciso trabalhar isso na terapia. Mas não é possível fazer terapia quando se está, literalmente, morrendo de fome. Não é muito eficiente. A comida é seu remédio.É um tratamento que dá poder aos pais. Não é que eles podem fazer isso. É que eles devem fazer isso porque, senão, seus filhos podem morrer. É uma mensagem que motiva muito, você faz.

Como era o dia a dia do tratamento?
Era difícil, muito difícil, especialmente nos primeiros meses. Mas naquele ano a nossa vida girou em torno das refeições e dos lanches dela. Ela tinha que comer seis vezes por dia. Geralmente isso tomava uma hora ou duas, era bastante tempo, e o resto eu passava comprando comida, cozinhando, limpando, cuidando da minha outra filha. A doença dominou a nossa vida e foi muito desafiador. Uma das consequências positivas foi que nos aproximamos mais como família. Um dos desafios é que você se coloca como a voz que fala para seu filho comer desafiando a voz que ele ouve dentro de si, dizendo para não comer. É como uma guerra. Gera muito drama, muita raiva. Lembro-me de pensar: “Ela vai me odiar pelo resto da minha vida. Mas acho que devo arriscar”. Mas a relação na verdade saiu fortalecida por eu ter feito o que eu fiz.

Todo momento ela se recusava a comer?
Não era exatamente uma recusa. Era como se ela não pudesse mesmo. É muito difícil de entender. Você olha para o seu filho e pensa: “Por que ela não pode simplesmente comer? Não entendo! Você é uma criança inteligente, você estuda Física na escola, você entende a questão da energia, por que você não come?” Eles dizem que não estão com fome, que não precisam comer, que estão muito gordos. Mas o que eles não dizem é que estão com muito medo de comer. Você tem que entender isso vendo a situação. Havia momentos em que era mais difícil e outros em que era mais fácil.

Por que você acha que o tratamento convencional praticamente exclui os pais?
Nos anos 1970, quando uma psicológa chamada Bruch escreveu sobre o assunto, ainda não sabíamos da influência da biologia. Achávamos que tudo era psicológico. Isso é uma razão. A outra é que nós valorizamos tanto a autonomia que, no minuto em que a criança conseguia fazer algo sozinha, nós, pais, tínhamos que dar um passo para trás e nunca mais nos envolver naquela tarefa. As crianças precisam aprender a ser independentes, não há questão sobre isso, especialmente os adolescentes, acho que temos esse ideal de que eles sejam autossuficientes. Mas eles não são. Eles são semi-suficientes.

Quais foram os momentos mais difíceis?
Foram os momentos de alternância de personalidade, os momentos do que eu chamo de “demônio”, no livro. Eles eram tão amedrontadores e tão pesados que realmente foi difícil para mim entender o que estava acontecendo. Eles estavam além do que você pode esperar do seu filho. Além disso foi muito difícil vê-la passar por toda aquela for física e mental. Eu tive que vê-la dizer que queria morrer.

Como está sua filha hoje?
Está bem, fazendo faculdade. Ela teve uma recaída quando tinha 18 anos, mas está recuperada agora. Está saudável, embora ainda tenha que ganhar um pouco de peso.
Época

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