13 fevereiro 2011

10 Perguntas para Lucinha Araújo - Ela foi à luta

Em outubro de 1990, Lucinha Araújo fundou no Rio de Janeiro a Sociedade Viva Cazuza para atender crianças portadoras do vírus HIV, causador da aids, doença que 3 meses antes tirara a vida de seu único filho, o cantor e compositor Cazuza, então com 32 anos. Vinte anos depois, a entidade já atendeu 71 crianças, mas enfrenta problemas financeiros.

Lucinha também lançou dois livros – “Só As Mães São Felizes” e “Todo Amor Que Houver Nessa Vida” – e, em 4 de abril, data de aniversário de Cazuza, lançará mais um, com o título provisório “O Tempo Não Pára”, que trata dos 20 anos sem o poeta do rock brasileiro.

1 – Como surgiu a Sociedade Viva Cazuza?
A Sociedade Viva Cazuza surgiu 3 meses depois que ele morreu. Um dos motivos foi a necessidade de ajudar quem não tinha dinheiro para sustentar doença tão cara. Outra razão foi que eu tinha só aquele filho e uma escolha: deitava na cama, chorava e morria junto com ele ou levantava e ia ajudar. Ao invés de ir ao psiquiatra, resolvi ajudar os outros e assim ajudo a mim mesma. A aids é uma doença que contamina e, como perdi um pedaço do coração, fiquei contagiada por ela.

2 – Como a Sociedade Viva Cazuza tem se mantido nesses 20 anos?
Vivemos dos direitos autorais do Cazuza, que, com o passar dos anos, vão diminuindo, inclusive em função da pirataria. A ajuda do Governo Federal (Fernando Henrique) que eu tinha não veio no governo seguinte (Lula). Agora o Governo Municipal prometeu me ajudar. A gente sofreu muito com isso, mas, de qualquer maneira, eu acho que vale a pena, porque a minha vida nunca teve cores suaves. Sempre teve cores fortes. E eu acho que não haveria de ser em um trabalho como esse que seria tudo fácil.

3 – A senhora vai a Sociedade Viva Cazuza todos os dias?
Se eu abrisse uma casa como essa, com os motivos e o trauma que me impulsionaram e não viesse todos os dias, não seria Maria Lúcia Araújo. Eu sou muito intensa e Cazuza puxou a mim. Então venho todos os dias, menos sábado e domingo, porque tenho um casamento de 54 anos e meu marido (João Araújo, fundador da gravadora Som Livre) me mata. Mas, se tiver uma emergência, o que é raro, eu venho. E não é porque sou boa, mas porque recarrego minhas baterias com essas crianças.

4 – Como a senhora avalia a atenção dada a aids em 1990 e agora?
A atenção diminuiu, porque a aids saiu de moda. Quando ela chegou foi aquele boom. Milhares de pessoas se contaminavam e ficavam desfiguradas. De 1996 para cá, com os remédios novos, a aids mudou de cara e as pessoas esqueceram da doença e as campanhas diminuíram. O problema é que a juventude nem sempre se protege e voltou a se contaminar. E com excitantes como Viagra, os idosos também começaram a se contaminar, pois voltaram a transar sem se cuidar.

5 – O fato das mortes de aids terem sido menos noticiadas não criou um descaso em relação à doença?
Claro que sim, mas ainda se morre de aids e muito. As pessoas é que não sabem. Se você não se cuidar, não se tratar, não tomar os remédios na hora certa, não se alimentar, não adianta. E tem o fator sorte. Se o Cazuza tivesse vivido mais um pouquinho, ele teria tido acesso aos remédios novos. Tem conhecidos dele que estão vivos até hoje e tem a doença há 20 e tantos anos.

6 – A prevenção e o diagnóstico precoce ainda são as melhores saídas?
Como é uma doença que não tem cura, tem que se prevenir. Você pode dizer: “Eu não quero ter aids”. E não tem. É só se cuidar. Dá trabalho, mas é muito melhor do que pegar uma doença que não tem cura. Diferente do câncer. Eu tive há 10 anos um câncer de mama, sem ter ninguém na família, sem ter nenhum caso perto de mim.

7 – A Sociedade tem algum trabalho voltado para mulheres acima dos 50 anos, cuja incidência da aids dobrou, entre 1997 e 2007?
Nós cuidamos também de 150 adultos. Eles não moram na Sociedade Viva Cazuza, mas temos um projeto que os ensina a tomar remédio e lhes dá aconselhamento. A maioria é analfabeta e recebia remédio do Governo, mas acabava jogando fora. É muito difícil tratar de pessoas que não tem sequer comida. Você acha que vão pensar em transar com camisinha? Então damos cestas básicas para ver se ajuda.

8 – Você se preocupa com que as crianças frequentem a escola?
É condição para estar na Sociedade Viva Cazuza, já que estão todos com saúde controlada. Eles frequentam a escola, alguns até escolas particulares. Há outros numa escola estadual profissionalizante e que fazem o curso superior. Só não estão na escola os dois menores, que tem 6 meses e 1 ano e meio.

9 – As crianças sabem quem foi o Cazuza?
Depois de certa idade, eu faço questão que vejam o filme (“Cazuza – O Tempo Não Pára”). Também digo porque essa casa existe, e quem foi ele. Mas nem preciso dizer da importância, porque essa casa é muito frequentada pelos artistas. Tenho um salão chamado Projeto Cazuza, com tudo dele, desde a primeira camisolinha até a última roupa de show.

10 – Você pretende dar um apartamento para os dois moradores mais antigos da Sociedade?
É o meu sonho dar um quarto e sala para os dois meninos, um de 17 anos e o outro de 14, morarem juntos, porque não tem ninguém no mundo e são responsabilidade direta minha, apesar de todos serem. Se Deus quiser, vou estar viva ainda para vê-los felizes, realizados, casados e exercendo suas profissões. Esse é outro sonho que tenho.

Por Guilherme Bryan
guilherme.bryan@folhauniversal.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário