13 setembro 2009

As mulheres que aplicavam golpes de mestre

Como uma quadrilha de belas mulheres enganou executivos de grandes empresas e faturou milhões de dólares com um golpe tão simples

Imagine: certa manhã, você recebe um telefonema extremamente agradável.
Trata-se de uma oferta de trabalho. Suspeito? Bem, a voz mostra simpatia e conhecimento de seu histórico profissional. O salário e o cargo são atraentes e quem telefona é a própria pessoa responsável pela contratação.
Ainda suspeito? Tudo bem, a proposta pode ser discutida com calma, numa entrevista.
Que mal poderia haver em conversar a respeito? Semanas depois, você está em desgraça. Não tem emprego novo e corre o risco de perder o emprego velho, por ter causado um grande prejuízo à empresa em que (ainda) trabalha.
Se você é mulher, dificilmente teria sido envolvida na confusão. Se é homem, os riscos são bem maiores de que tivesse caído na lábia da golpista americana Dina Reis e sua equipe de belas fraudadoras.

A quadrilha foi pega em outubro de 2008 pelo FBI, a polícia federal americana, num caso detalhado pela revista americana Fortune.

O julgamento ainda não tem data marcada. No início deste mês, o juiz federal David Hamilton ouviu argumentos dos advogados de Dina, que pedem a transferência do julgamento de Indianápolis (no Estado de Indiana, onde vivem várias das vítimas) para Nova York (onde a golpista alega cuidar de filhos doentes e manter atividades religiosas).

Seja onde for, espera-se que o julgamento ajude a entender como executivos experientes puderam ser enredados num golpe tão primário que, desde 2000, roubou pelo menos US$ 80 milhões de diversas companhias. Há relatos de empresas enganadas mais de uma vez.

O primeiro passo da quadrilha era escolher empresas cujos produtos poderiam ser revendidos facilmente: cosméticos, roupas, produtos de limpeza.

Selecionado o alvo, Dina telefonava para um diretor de vendas ou marketing. Ela se identificava como dona de um grupo empresarial à procura de um novo executivo-chefe. A proposta soava tentadora para a maioria dos executivos. Quando o contato telefônico evoluía para a entrevista pessoal, entrava em cena a elaborada coreografia do golpe. O convidado ganhava um voo para Nova York e lá era recebido pela sofisticada Dina e uma ou mais de suas cinco “executivas” – bonitas, educadas e simpáticas.

As fraudadoras se especializaram em despertar desejos. Segundo o inquérito, elas não tiveram relações sexuais com nenhuma vítima. Apenas jogavam com a linguagem corporal e insinuações. Em uma mensagem a um executivo de uma empresa de cosméticos, Dina escreveu: “Parece que você está se divertindo em suas férias. Queria estar aí com você”. Uma de suas assistentes, Suzanne Carrico, havia sido atriz e cantora. Uma de suas funções era ensinar as comparsas a falar e agir com um homem para seduzi-lo sutilmente. “Elas não eram burras”, diz Donald DeKieffer, advogado empresarial que desde a década passada segue os rastros de Dina. “Elas não se garantiam com seus seios, mas com seus cérebros.”

Além de ser paparicado pelas beldades, o executivo convidado ganhava em Nova York mimos variados, como hospedagem de luxo, jantares em restaurantes finos e ingressos para shows concorridos. A estratégia era deixá-lo excitado com um mundo reservado e cheio de promessas, algumas explícitas, outras não.

Dina tinha uma mansão de seis andares, colecionava arte
e contribuía com museus e hospitais

O desenrolar da ação era relativamente padronizado. Em um jantar com Dina, o convidado ouvia detalhes do novo emprego e conhecia um certo “Programa Nacional de Distribuição” de sua anfitriã. Casualmente, o tema da conversa mudava da oferta de trabalho para uma proposta comercial ao convidado: se ele repassasse lotes de produtos por preços mínimos ao grupo de Dina, faria parte de promoções em locais restritos como bases militares, reservas indígenas e escolas. A ação promocional poderia abrir caminho para futuras vendas de grandes volumes. Só que não havia promoção nenhuma. Dina simplesmente vendia os produtos a atravessadores, e a mercadoria, no fim das contas, chegava aos grandes varejistas americanos.

Nesse ponto, alguns executivos estranhavam a guinada na conversa e recusavam o negócio. Outra parte, porém, seduzida pelos encantos de Dina e suas assistentes, acreditava nas promessas. Para endossar a farsa, a fraudadora pagava a outros homens de negócios para dar falsas referências sobre a segurança da transação. Ela chegava a mostrar lojas e armazéns que fariam parte da rede de distribuição.

O vice-presidente da Roche Diagnósticos, Donald Dumoulin, acreditou na história e vendeu à quadrilha cerca de 190 mil unidades de um equipamento para exame de diabetes, por US$ 1,7 milhão. A mercadoria foi revendida no mercado por US$ 11,6 milhões.

A capacidade de julgamento de executivos calejados era posta abaixo com grandes doses de informações (falsas, mas consistentes), exibições de opulência material e filantropia. “Parte do que fez o esquema ser tão bem-sucedido foram as demonstrações de riqueza, que davam a ela credibilidade”, afirma Dennis Halliden, investigador do FBI. Dina era conhecida como uma pessoa generosa, colecionadora de arte e importante doadora do Whitney Museum of American Art. Nos últimos anos, a golpista teria doado US$ 10 milhões a ações de caridade, incluindo tratamento de órfãos e ajuda na reforma de um hospital infantil em Tel Aviv, Israel.

Ela estava em sua mansão de seis andares, avaliada em US$ 30 milhões, quando recebeu voz de prisão por conspiração e fraude. Os corredores da casa abrigavam um acervo com obras de Modigliani e Andy Warhol no valor de US$ 35 milhões.

A queda de Dina nasceu dentro da própria quadrilha. Depois de humilhada e demitida, uma ex-assistente enviou cartas a alguns executivos enganados e criou o site A Rainha do Golpe, relatando detalhes do esquema.
Diversas companhias entraram na Justiça contra Dina, mas o fato de a empresa ser de fachada e as mulheres se apresentarem com nomes diferentes em cada episódio dificultou a investigação. O caso ganhou substância depois de a polícia receber uma denúncia sobre testes para diabetes que um atravessador tentava vender a drogarias. Era o caso da Roche.
O FBI grampeou a fraudadora e, depois de 4 mil horas de ligações, desvendou o esquema. Dina passou uma semana presa, no ano passado, antes de pagar US$ 10 milhões de fiança.

A pena por fraude e formação de quadrilha poderia chegar a 40 anos, mas estima-se que ela seja condenada a dez. Uma coisa já ficou clara: seu charme dificilmente a livrará de uma temporada na cadeia.
Época

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