11 fevereiro 2010

Solidão é para os gênios

A maioria de nós precisa de afeto, farra e companhia
Ivan Martins
Tenho de confessar uma dificuldade: a de conciliar um estilo de vida saudável com o jeito de viver que me faz feliz.

No domingo, por exemplo, saiu o bloco de carnaval da Vila Madalena. Havia milhares de pessoas na rua, a música estava boa, sambar ladeira abaixo é uma delícia. Passei quatro horas na farra, cercado de amigos, e fui dormir tarde da noite com dor de cabeça – por causa da cerveja, claro.

Na noite anterior, o sábado, também houve festa. E foi assim também na sexta. Feitas as contas, durante o fim de semana eu só consegui caminhar 30 minutos, no domingo, sob o sol abrasador do meio-dia. Talvez fosse melhor nem ter andado.

Não sei quanto a vocês, mas para mim finais de semana como esse me enchem de culpa.

Culpa por ter bebido demais.
Culpa por comer mal.
Culpa por não ter descansado depois de uma semana de trabalho.
Culpa por não ter passado horas se exercitando ao ar livre (sambar na ladeira com uma latinha na mão não conta...)
e culpa, claro, por não ter visto os bons filmes, lido os bons livros e passado em revista aquela pilha de publicações que cresce no canto da sala.

Movido pela culpa – e pelo senso de dever – fui olhar a lista de prioridades que risquei na virada do ano e descobri que nenhum dos oito itens foi resolvido. Um único deles foi encaminhado.
Para piorar as coisas, o Carnaval vem aí...

Se eu achasse que esse é um problema apenas meu, não me daria ao trabalho de escrever sobre ele. Mas acho que se trata de uma dificuldade universal.

A vida nas grandes cidades, no início do século 21, está montada sobre o princípio do prazer, não do dever.
É muito fácil ser arrancado do esporte ou do sono ou do trabalho ou da leitura para sair e se divertir – e as pessoas fazem isso, cada vez mais.

Anos atrás, sair de noite e voltar de madrugada era coisa de gente jovem e solteira. Hoje não.
Os mais velhos fazem isso. Os jovens casais com filhos também.
Basta passar num bairro de restaurantes ou diante de uma balada numa noite de calor para ver gente aglomerada.
Qualquer dia da semana, todo tipo de gente.

Exagero? Hoje, na hora do almoço, um jovem na mesa ao lado comentava com naturalidade sobre a casa de samba onde ele esteve... na noite de segunda-feira.

Antes que alguém levante o dedo, eu mesmo faço a ressalva: há entre nós que não têm a menor chance de gozar esse estilo de vida.
O Brasil ainda é um país injusto, com dezenas de milhões de pobres para quem sair no meio da semana – ou mesmo no fim de semana – é uma espécie de utopia pessoal.

Mas essas coisas estão mudando.

O crescimento da economia fez com que milhões de pessoas pudessem consumir e gastar mais com lazer.
Isso significa sair, beber, comer, dançar... Eu espero que logo a maioria tenha diante de si o dilema que hoje afeta um número menor de pessoas: como conciliar prazeres e necessidades?

Eu ainda não descobri, mas já notei algumas coisas:

Não se pode chutar o pau da barraca.
Quem bebe demais e não trabalha no dia seguinte é rico ou é burro.
A vida da cidade exige dinheiro e esse só chega às nossas mãos de forma duradoura pelo trabalho. Herdeiros que se locupletem, espertos que se arrisquem, mas o resto de nós precisa achar um meio termo.

Há que arrumar um ofício do qual a gente goste.
O trabalho diário ao longo dos anos não é fácil para ninguém, mas torna-se muito mais agradável quando se gosta do que se faz.
Trabalhar todos os dias apenas pelo dinheiro deve ser intolerável.

Ninguém quer morrer cedo. Eu, por exemplo, estou decidido a conhecer meus netos.
Para isso, há que estabelecer um equilíbrio entre usar e cuidar do corpo com que viemos ao mundo. Exercícios ajudam, alimentação garante.
E sexo não atrapalha.

Prazer faz bem e o amor nos mantém vivo.
Estar apaixonado e cercar-se de gente que você ama têm efeito rejuvenescedor, em mais de um sentido.
Cada vez que a gente começa um namoro, abre-se pra nós um mundo novo de ideias, pessoas, passeios e possibilidades.
É a vida dos outros que chega arejando a nossa vida.
O mesmo acontece com os filhos. Eles trazem da rua um universo reinventado pela geração deles – é só prestar atenção.

É essencial estar entre os outros.
A solidão é para os gênios e para os loucos.
A maioria de nós precisa estar no grupo, sentir-se parte dele, trocar ideias e partilhar aspirações. Isso nos dá uma dimensão real de nós mesmos e nos confere uma medida justa da realidade - além da alegria pura e simples de sambar na multidão.


O silêncio faz parte. De vez em quando, o barulho da rua impede que a gente ouça a própria voz. Então é hora de sossegar um bocadinho.
Como a boa poesia, a vida é feita de frases longas seguidas de frases curtas, intercaladas por silêncio.

Não acredito em vida perfeita, arranjo perfeito ou solução definitiva.
Mas se você acha que achou a fórmula da felicidade (que não seja o Ele totalitário), me escreva. Prometo que leio.

Ivan Martins para Época/ pavablog

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