18 agosto 2010

Pra que Filosofia??


Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro.
Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa.
Desde o nascimento, geração após geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dos outros e de si mesmos porque estão no escuro e imobilizados.

Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna.

Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras também são projetas nas na parede da caverna, como num teatro de fanto­ches.

Os prisioneiros se comunicam, dando nome às coisas que julgam ver (sem vê-Ias realmente, pois estão na obscuridade) e imaginam que o que escutam, e que não sabem que são sons vindos de fora, são as vozes das próprias sombras e não dos homens cujas imagens estão projetadas na parede; também imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens carregam nos ombros são vozes de seres reais.

Qual é, pois a situação dessas pessoas aprisionadas?
Tomam sombras por realidade, tanto as sombras das coisas e dos homens exteriores como as sombras dos artefatos fabricados por eles.
Essa confusão, porém, não tem como causa a natureza dos prisioneiros e sim as condições adversas em que se encontram.
Que aconteceria se fossem libertados dessa condição de miséria?

Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-Ia. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões.
De início, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna.
No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados.
Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna.
Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento.
Incredulidade porque será obri gado a decidir onde se encontra a realidade: no que vê agora ou nas sombras em que sempre viveu.
Deslumbramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas.
Seu primeiro impulso é o de retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora.
Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar a caverna on
de tudo lhe é familiar e conhecido.


Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará com todas as suas forças para jamais regressar a ela.
No entanto, não pode evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e con­vencê-los a se libertarem também.

Que lhe acontece nesse retorno?
Os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam faze-lo espancando-o.
Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente aca­bam por matá-lo.
Mas, quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da caverna rumo à realidade.

O que é a caverna? O mundo de aparências em que vi­vemos.
Que são as sombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos.
Que são os grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossa crença de que o que estamos percebendo é a realidade.
Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo.
O que é a luz do Sol? A luz da verdade.
O que é o mundo iluminado pelo sol da verdade? A realidade.
Qual o instrumento que liberta o prisioneiro rebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A Filosofia.

Marilena Chaui/por amandopalavras.blogspot

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