Mulher divorciada procura...A escritora Elizabeth Gilbert chegou à meia-idade com um casamento sem filhos desfeito, seguido de uma paixão que não deu certo e apenas uma certeza: não sabia mais quem ela era. Deixou para trás tudo o que tinha (ou não tinha) e partiu para uma jornada pelo mundo: Itália, Índia e Bali. Ia em busca de um sentido para sua vida. Foi mais longe do que imaginava.
O livro sobre sua experiência, Comer, rezar, amar, vendeu 4 milhões de cópias em todo o mundo. Agora se transformou em um longa-metragem, estrelado por Julia Roberts, que estreou na sexta-feira. O filme, como o livro, é um épico pós-feminista: em busca de equilíbrio espiritual e independência emocional, Elizabeth tira o foco do alvo clichê das mulheres – um grande e seguro amor –, e é aí que o encontra. Não como um objetivo principal, mas como parte daquilo que se chama felicidade.
Escrito em 2006, o livro só se tornou sucesso um ano depois graças ao boca a boca feminino. Mais que isso: virou uma espécie de bíblia feminina da primeira década do século XXI. No filme, as imagens que milhões de mulheres no mundo já imaginaram surgem coloridas e vivas, assim como os vários personagens que a autora conhece em suas viagens. Os alegres italianos, os concentrados indianos e os afetuosos balineses.
A trama fica longa na tela, com mais de duas horas de duração, mas não incomoda. Percebe-se fácil que não é um roteiro original, o que não chega a ser um defeito. A narrativa da protagonista pontua o início da trama, com bons trechos do livro, mas depois desaparece, dando lugar a um olhar mais livre do telespectador. Não deve ter sido proposital, mas faz sentido a ideia de que Elizabeth aos poucos se distancia de seu status de escritora bem-sucedida em Nova York e vai se transformando em “apenas” uma mulher sozinha pelo mundo em busca existencial.
Julia Roberts está bem no papel. O tempo lhe fez bem e acrescentou novas expressões a seu repertório – compensando o volume de Botox que certamente colocou acima do lábio superior e que, no começo do filme, prende o olhar do espectador. Ao longo do filme se despoja e é aí que fica ainda melhor, com as roupas largas, o cabelão preso de qualquer jeito, o gestual mais autêntico. A linda mulher virou uma ótima atriz e, apesar de estrela de Hollywood, funciona como alguém de verdade. Já não se pode dizer o mesmo de seu par no filme, Javier Bardem. Na pele de Felipe, o empresário brasileiro – gaúcho – que Elizabeth conhece em Bali, o ator (que quase sempre acerta) errou a mão desta vez. Talvez o erro tenha sido a escolha de um ator que virou símbolo sexual para encarnar o amor-amigo da protagonista. Diante da tarefa de viver um quarentão doce e sincero, Bardem não conseguiu se despir da canastrice. Para piorar, o ator arrisca algumas frases em português com um sotaque pavoroso, que mais se assemelha ao galego, ao sérvio ou ao russo. Outro escorregão envolve a cultura do país: segundo o filme, beijar os filhos na boca seria um costume dos homens brasileiros. Faltou pesquisa.
OS TRÊS VERBOSA jornada de Liz (Julia Roberts) inclui uma estada gastronômica em Roma, tardes de amor em Bali com o brasileiro Felipe (Javier Bardem) e meditação na Índia
Apesar das gafes, Comer, rezar, amar promete ser um sucesso de bilheteria a reboque da fama do livro, de Julia Roberts e do sempre irresistível atrativo das buscas femininas – que sustenta a profusão de comédias românticas da indústria cinematográfica. Mas o filme pode decepcionar quem está atrás apenas da fórmula fácil. Apesar de o livro não caber no roteiro e de, afinal, haver um final feliz, a história real de Elizabeth Gilbert difere da busca clichê feminina do parceiro. Porque subverte sua noção daquilo que faz uma mulher feliz. O casamento, a paixão, os relacionamentos haviam destruído a paz da protagonista. No começo da trama, ela era o que se chama de mulher esponja. Embora emancipada e bem-sucedida, ela acabava se tornando cópia dos homens com quem se relacionava, como uma maneira de fazer a relação dar certo. Diante disso, o que ela era se dissipou. Depois do reencontro consigo mesma, ter novamente um relacionamento parecia um retrocesso – e ao telespectador também parece.
Na literatura e no cinema, a jornada do herói costuma estar mais ligada ao mundo masculino. São os homens que tradicionalmente realizam sagas e buscas existenciais, repletas de batalhas, internas e externas, e superação de tragédias e traumas passados. Em Comer, rezar e amar, é uma mulher que cumpre essa jornada, que se torna ainda mais forte com o peso de ser uma história real. Para os homens, o fim da saga é geralmente feito de louros, poder ou dinheiro. Para as mulheres, depois da jornada e da tempestade, a bonança pode ser um homem que a faça feliz – e até atender pelo nome de Javier Bardem. E o melhor é ter toda a liberdade para dizer: e daí?
Martha Mendonça/revistaepoca
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