17 outubro 2010

“Não havia líderes”, diz um dos 33 mineiros

Em entrevista a ÉPOCA, Ariel Ticona, o penúltimo a ser resgatado dentro da mina San José, afirma que os mineiros “esqueceram os cargos” na luta pela sobrevivência

Ariel segura a filha Esperanza, ao chegar em casa na sexta-feira (15). Ele tenta manter a família longe do assédio da imprensa

Se a convivência entre os 33 mineiros chilenos presos na mina San José por 69 dias teve atritos, é muito provável que Ariel Ticona não esteve envolvido em nenhum.

Penúltimo a ser resgatado, Ticona era considerado um dos homens mais tranquilos do grupo. “Reservado” (ele não se diz tímido), Ariel não apareceu nos primeiros vídeos feitos pelos mineiros, para não se expor. Mas seu papel dentro da mina era fundamental.
Era ele quem operava o rudimentar telefone que permitia a comunicação dos demais colegas com seus parentes.
O jeito pacato ficou claro quando Ariel retornou no fim da tarde de ontem à sua casa, no bairro Manuel Rodríguez, em Copiapó.

No portão havia dezenas de câmeras, atraídas não só por Ariel ser um dos 33, mas também porque seu terceiro filho – uma menina – nasceu enquanto estava dentro da mina.
Ela foi batizada de Esperanza em homenagem ao acampamento dos familiares dos mineiros.
Ariel e Elizabeth Segovia têm outras duas crianças: Jean-Pierre, de 9 anos, e Steven, de 5.
O mineiro tenta manter a família longe do assédio da imprensa, mas é praticamente impossível.

Esperanza completou um mês de vida na quinta-feira (14), justamente o dia entre o resgate dele e a volta para casa. Era muito provável que Ariel quisesse sair correndo para ver a filha, a quem ele tinha visto rapidamente após o resgate. No entanto, aceitou fazer uma minientrevista coletiva no portão. Depois, foi comemorar com os familiares.

Por fim, concedeu esta entrevista exclusiva a ÉPOCA, do quintal de sua casa.
Nela, diz que “não havia líderes” dentro da mina, minimizando o papel de soberania que teria Luis Urzúa diante do restante dos mineiros e dando ênfase ao trabalho em grupo.
Ariel afirma que sempre teve certeza de seu resgate, por ser “muito crente em Deus”. Sobre o futuro, diz saber que voltará a uma mina, provavelmente em março do ano que vem. “Tenho orgulho de ser mineiro”, afirma.
ÉPOCA – O sr. foi o penúltimo dos mineiros a voltar a superfície. Estava ansioso pela espera? O que sentiu ao ver o mundo aqui em cima de novo?
Ariel Ticona – Saí tranquilo. Não sei se você pôde perceber nas imagens, mas sempre estava calmo. E, claro, fiquei muito contente de voltar a ver a minha família.
ÉPOCA – Seus familiares dizem que o sr. é um homem muito centrado, que dificilmente perde o controle. Lá na mina não houve um momento-limite em que o sr. se exaltou?
Ariel – Nunca. Sou católico, muito crente em Deus. Aliás, lá embaixo me lembrei bastante do Corpo de Baile de que eu participo (Ariel toca pito, ou pífano em português, um instrumento semelhante à flauta). Fiquei um pouco chateado de não poder ter ido à Festa da Candelária, uma das mais populares do Atacama, que foi no dia 15 de agosto.

ÉPOCA – Na mina, vocês ficaram 17 dias sem contato nenhum com o mundo. Pensou que pudesse ocorrer o pior?
Ariel – Não. A fé é a última coisa que se perde. Nunca me passou algo ruim pela cabeça. Sempre pensei que fosse ser resgatado. Sabia que poderia demorar, mas tinha certeza. Sou um homem de cabeça fria.
ÉPOCA – O sr. teve de viver por mais de dois meses com outras 32 pessoas, cada uma pensando de um jeito. Como foi essa convivência?
Ariel – Era como conviver com uma família. Nesse tempo, você conhece o gênio da pessoa, as características de cada um. Mas consegui me acostumar.
ÉPOCA – Teve problemas com algum dos mineiros?
Ariel – Não, tudo transcorreu bem.
ÉPOCA – O sr. era considerado um dos líderes lá dentro, não?
Ariel – Na verdade, não havia líderes. Eu não me considerava líder.
ÉPOCA – Nem Luis Urzúa era um líder para vocês?
Ariel – Urzúa era o chefe do turno na hora do acidente. Era natural que, por sua atribuição, tomasse uma condição de líder. Mas, a partir do momento em que ficamos presos, éramos apenas 33 trabalhadores. Esquecemos os cargos, se alguém era operador ou chefe de turno. Éramos todos com um único objetivo.

ÉPOCA – Por que o sr. foi escolhido para cuidar da parte de comunicação com a superfície? Já tinha algum conhecimento técnico?
Ariel – Sinceramente, não. Nunca tinha ouvido falar de fibra ótica, por exemplo. No dia em que o pessoal de resgate mandou os fios e os aparelhos, fui eu quem pegou. E comecei a mexer naquilo, instalar. Deu certo. Acabou virando minha tarefa fazer as ligações dos mineiros para os familiares (Ariel trouxe como lembrança da mina o telefone rudimentar que foi utilizado para a comunicação com os mineiros).
ÉPOCA – Quando o sr. se deu conta de que estava prestes a sair, pensou em algo?
Ariel – Sim. Sabia que a vida que me esperava aqui fora, como todos diziam, seria como um renascer. Eu sou a mesma pessoa que entrou na mina, mas vi que precisava corrigir onde estava falhando.
ÉPOCA – E onde era?
Ariel – O contato com a família. A gente se descuida disso. Lá embaixo, percebemos o quanto faz falta.
ÉPOCA – Que lição o sr. tirou do período na mina?
Ariel – Como diz o ditado, que a união faz a força. Temos que resgatar isso. Nós demos ao Chile e ao mundo um exemplo de como conseguir um objetivo estando unido. Mesmo com todas as diferenças entre cada um, todos estávamos ali, apegados a um só Deus.
ÉPOCA – Os chilenos estão chamando os 33 de heróis do bicentenário da independência. O sr. se sente como um herói?
Ariel – Não. O único herói é Nosso Senhor Jesus Cristo. Acho que nenhum dos 33 se considere herói por conta disso. Temos, sim, que agradecer a Ele.
ÉPOCA – Sua família diz que o sr. é um tipo tímido, reservado. Como será agora, depois de se tornar uma personalidade como um dos 33?
Ariel – Não, não me acho tímido. Reservado, sim. Mas, se eu fosse tímido, não teria parado para falar com os jornalistas na entrada de casa (antes de falar com exclusividade para ÉPOCA, Ariel foi recepcionado por dezenas de câmeras e microfones e calmamente os atendeu). O que eu tenho de responder, respondo. O que não tiver de responder, me reservo o direito de não me manifestar.
ÉPOCA – O sr. gosta bastante de futebol, não?
Ariel – Sim, sou fanático. Sou (zagueiro) central, e jogo em qualquer lado do campo. Sou do time de Manuel Rodríguez (bairro onde Ariel vive), e jogamos campeonatos amadores.
ÉPOCA – Reserva ou titular?
Ariel – Titular, claro (risos).
ÉPOCA – E o futuro? Pensa em voltar a trabalhar como mineiro?
Ariel – Sim, obviamente. Porque a pessoa passa a gostar de fazer isso. Acho que existe esse sentimento em toda a profissão, como deve haver no jornalismo.Eu tenho orgulho de ser mineiro. Ainda mais agora, que fomos catapultados a um nível mundial.

ÉPOCA – O sr. tem ideia da dimensão que o caso dos 33 mineiros ganhou?
Ariel – Acho que sim. Mas vou continuar sendo a mesma pessoa. Não fiz nada de especial. Só espero que o nosso exemplo sirva de alerta para uma maior segurança nas minas chilenas e do resto do mundo.
ÉPOCA – O que o sr. deseja para sua vida a partir de agora?
Ariel – Desejo ficar aqui ao lado da minha família, que é a prioridade. Há também meus companheiros de religião, que são a segunda família. E também o futebol, minha outra paixão. Mas é preciso conciliar tudo para não se descuidar demais de alguma das pontas, como eu vinha fazendo antes do acidente. Mas sei que vou mudar.
ÉPOCA – Vocês receberam diversos convites para quando saíssem da mina. O sr. vai aceitá-los, como viajar para os Estados Unidos, Espanha e Grécia?
Ariel – Acho que sim. Haverá alguns meses de readaptação do aspecto psicológico. Eu, particularmente, me sinto muito bem. Mas preciso contar à minha família a minha versão da vida lá embaixo.
ÉPOCA – Quando pensa em retomar o trabalho?
Ariel – Acho que março do ano que vem. Outubro está mais para o fim. Em novembro e dezembro, vou descansar com a família. E em janeiro, vou me dedicar às preparações para a principal data da Festa da Candelária, que é dia 2 de fevereiro. É como na escola. Volta às aulas em março.

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