A violência relacionada ao tráfico de drogas é uma das principais preocupações dos brasileiros, mas poucas políticas públicas são realmente eficientes para combatê-lo.
Wálter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, de ciências criminais, faz muitas críticas e alguns elogios às ações empreendidas pelo Estado para garantir a segurança de todos.
1 – O que significa o avanço do tráfico de drogas?
O fenômeno das drogas proibidas é utilizado para encobrir interesses geopolíticos, geoestratégicos e geoeconômicos. Para se ter ideia, com a devolução do canal do Panamá àquele país, os norte-americanos construíram bases militares, a título de combate ao tráfico de drogas, em Aruba (Caribe), Curaçao (Caribe), Manta (Equador) e Iquitos (Peru). No momento, querem instalar bases na Colômbia. Como se percebe, as bases não resultaram em redução na oferta de drogas. Em dezembro de 2009, o chefe antidrogas das Nações Unidas (ONU) declarou que, na crise financeira, o sistema interbancário só não quebrou por causa da liquidez dos capitais sujos das drogas. Na Convenção de Viena da ONU ficou consignado que o dinheiro sujo das drogas era lavado no sistema bancário internacional.
2 – O senhor foi chefe da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) em 1999 e sofria resistência de setores da Polícia Federal. Como avalia a Senad hoje?
As secretarias nacionais nasceram em razão de uma assembleia especial da ONU, em 1998. O presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), cumprindo o acordado na ONU, criou, junto ao gabinete da presidência da República, uma secretaria com a atribuição de coordenar as ações nos campos
da prevenção, repressão e tratamento. A Polícia Federal se opôs e a associação dos delegados ingressou com ação contra o decreto. Quando deixei a secretaria, no início de 2000, o presidente FHC capitulou, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela constitucionalidade do decreto, e transformou a secretaria em um órgão para ações de prevenção. Ela foi reduzida a um órgão que ninguém conhece.
3 – O total de assassinatos caiu em São Paulo, mas há quem diga que isso se deve mais à organização do crime do que às políticas de segurança. O senhor concorda?
A estatística criminal no mundo civilizado é importante instrumento usado não só para as ações policiais. Tem papel relevante na elaboração das políticas criminais. O problema é quando o Estado, – e isto já aconteceu com São Paulo –, mascara a estatística.
4 – Como?
Por exemplo, quando o policial diante de um corpo crivado de balas, intitula a ocorrência como “encontro de cadáver”. O crime não é contatado como homicídio.
5 – Não faltam exemplos do despreparo e corrupção da polícia. Que reforma deve ser feita?
Deve-se ter uma nova política criminal, a envolver mudanças constitucionais e legislativas. O inquérito policial só existe no Brasil. O processo penal brasileiro é demorado. O STF, nos últimos 40 anos e até o primeiro semestre deste ano, nunca condenou ninguém por corrupção.
6 – Como avalia as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) que vêm sendo implantadas no Rio de Janeiro?
É um bom modelo. Substituíram as ações espetaculares, pirotécnicas, que colocavam a população dos morros em risco. O morador ficava no meio do fogo entre a polícia, com armas pesadas e tanques de guerra, e as organizações criminosas. Esse modelo militarizado de guerra às drogas está superado e o Governo do Rio acertou ao substituí-lo. No México, em 4 anos de guerra às drogas, já morreram 28 mil cidadãos e mais de 70% não tinham qualquer vinculação com o tráfico.
7 – Qual o papel do Brasil no tráfico internacional de drogas?
O Brasil é grande fornecedor de insumos químicos. Sem eles não se faz o cloridrato de cocaína. E a Colômbia, Bolívia, Peru e Equador, países que cultivam a folha de coca e elaboram a cocaína, não possuem indústria química. Quanto ao consumo, o Brasil, de corredor de passagem da droga, passou a grande consumidor.
8 – Há cooperação entre o Brasil e seus vizinhos no combate ao tráfico?
O Brasil deveria observar o movimento bancário nas cidades de fronteira. O crime organizado precisa de estradas, bancos, transporte etc. Essa história de que nossas fronteiras são enormes e a culpa é do vizinho, não “gruda” mais.
9 – O combate a crimes de colarinho branco tem sido eficiente?
Não adianta ter um tipo penal ou uma legislação especial. Hoje a lei, pela ineficácia do sistema criminal, não inibe a prática de crimes. O Brasil é o país da impunidade e praça atraente para reciclagem de dinheiro sujo em atividades formalmente lícitas.
10 – A legalização das drogas diminuiria a violência?
A droga causa danos físicos e mentais. Portanto, é uma questão de saúde pública. O porte para uso deveria ser tratado como infração administrativa e não como ilícito criminal. Na Califórnia (EUA), há algumas semanas, adotou-se o modelo português da não criminalização, mas se manteve a proibição como infração (igual, por exemplo, a uma multa de trânsito). A mudança da legislação portuguesa resultou em queda expressiva da violência. Legalizar é outra coisa: é o “liberou geral”. Não se tem essa experiência no mundo.
Wálter Fanganiello Maierovitch
gisele.brito@folhauniversal.com.br
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